Com a indicação do Ministro Luiz Fux, do STJ, para o STF, muito festejada pela comunidade jurídica, volta à tona o debate sobre a aplicabilidade da lei da ficha limpa nas eleições do ano passado.
O debate ganhou repercussão com o estado de perplexidade que se abateu no país após o empate ocorrido no STF nos julgamentos dos RE’s 630147 e 631102, interpostos por Joaquim Roriz e Jader Barbalho, respectivamente; quando cinco ministros (Gilmar Mendes, Cesar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio e Dias Tofolli) votaram contra a aplicabilidade da lei, e outros cinco (Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Carlos Brito, Ricardo Lewandovisk e Carmen Lúcia) votaram pela sua aplicabilidade.
Quem acompanhou o julgamento – de mais de sete horas – e teve contato com os votos proferidos, teve a convicção que o jurídico cedeu ao político, posto que irrepreensíveis e irrefutáveis, sob o aspecto jurídico, os votos proferidos pelos eminentes Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Em face da fórmula adotada para resolver o impasse – fazer prevalecer a decisão recorrida -, a sensação geral foi que o Supremo ainda não se manifestou sobre a celeuma jurídica, recaindo sobre o futuro Ministro a responsabilidade de proferir o voto de Minerva.
A Folha de São Paulo publicou nesta sexta-feira artigo afirmando que o futuro Ministro já proferiu duas decisões favoráveis a candidatos barrados pela lei da ficha limpa, esclarecendo, entretanto, que a decisão teve por fundamento matéria infraconstitucional.
Em pesquisa no site do STJ, encontramos os seguintes julgados:
MEDIDA CAUTELAR Nº 16.932, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES: tratava – se de medida cautelar para conceder efeito suspensivo à recurso especial. O fundamento do REsp. era a contrariedade da decisão do tribunal estadual, que condenou o recorrente de forma objetiva, sem perquirir a existência de dolo ou culpa na conduta, à jurisprudência pacífica do STJ eu exige o elemento subjetivo para condenação por improbidade administrativa. Em face da plausibilidade da tese, deferiu – se efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo – se ipso facto, a aplicação da lei da ficha limpa no caso concreto O Ministro LUIZ FUX restou vencido. Após tecer considerações de ordem processual para não conhecimento da cautelar, o ministro apresentou argumento de fundo consistente na natureza constitucional da questio juiris, declarando incompetente o STJ para conhecer da questão.
MEDIDA CAUTELAR Nº 17.110, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES: tratava – se de medida cautelar para conceder efeito suspensivo a recurso especial. O fundamento da MC era exclusivamente processual, impugnava – se a validade do julgamento por não ter sido designado revisor à apelação e ausência de intimação para a sessão de julgamento. Em face da plausibilidade da tese de nulidade do julgamento da apelação por vício formal, abstraindo – se qualquer análise do mérito da condenação por improbidade administrativa, deferiu – se efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo – se ipso facto, a aplicação da lei da ficha limpa no caso concreto. Reiterando o voto proferido na MEDIDA CAUTELAR Nº 16.932, o Ministro Luiz Fux, vencido, votou pelo não referendo da medida cautelar.
MEDIDA CAUTELAR Nº 17.243 – ES, Relator MINISTRO LUIZ FUX: tratava – se de medida cautelar para suspender os efeitos da condenação em segundo grau por improbidade administrativa de candidato ao senado. O Ministro indeferiu liminarmente a medida cautelar por razões eminentemente processuais: inexistência de REsp. admitido na origem e incompetência do STJ para apreciar medida cautelar de REsp. ainda pendente de juízo de admissibilidade (Súmulas 634 e 635 do STF).
Nos REsp’s 1149427/SC e 1023904/RJ interpostos por políticos condenados por improbidade administrativa, portanto inelegíveis de acordo com a lei da ficha limpa, o Ministro Luiz Fux cassou as decisões condenatórias com base na jurisprudência pacífica do STJ, que exige elemento subjetivo para a condenação por improbidade administrativa. Sem dúvida tais decisões tiveram repercussão no pleito eleitoral passado, pois autorizaram os políticos condenados em segunda instância a participarem da eleição. Entretanto, tais decisões não julgaram a validade da lei da ficha limpa, que sequer foi analisada no caso concreto, o que torna prematura e insubsistente qualquer tentativa de inferir a partir destes julgados o posicionamento do futuro Ministro do STF em relação à lei complementar n. 135/2010.
Entretanto, ao se analisar outros julgados, principalmente o AgRg no REsp 753469/SP, verifica – se que a opinião do futuro Ministro no que tange à substância jurídica do princípio da segurança jurídica, que veda a retroatividade das leis, é afim às expressadas pelos Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes nos RE’s 630147 e 631102, transcreve – se parte da ementa:
“19. Sob o enfoque jurisprudencial "o Supremo Tribunal Federal, com base em clássico estudo de COUTO E SILVA, decidiu que o princípio da segurança jurídica é subprincípio do Estado de Direito, da seguinte forma: 'Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. art. 2o). Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe o papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material.'" (ob. cit. pág., 296).
20. Na sua acepção principiológica "A segurança jurídica pode ser representada a partir de duas perspectivas. Em primeiro lugar, os cidadãos devem saber de antemão quais normas são vigentes, o que é possível apenas se elas estão em vigor “antes” que os fatos por elas regulamentados sejam concretizados (irretroatividade), e se os cidadãos dispuserem da possibilidade de conhecer “mais cedo” o conteúdo das leis (anterioridade). A idéia diretiva obtida a partir dessas normas pode ser denominada “dimensão formal-temporal da segurança jurídica”, que pode ser descrita sem consideração ao conteúdo da lei. Nesse sentido, a segurança jurídica diz respeito à possibilidade do “cálculo prévio” independentemente do conteúdo da lei. Em segundo lugar, a exigência de determinação demanda uma “certa medida” de compreensibilidade, clareza, calculabilidade e controlabilidade conteudísticas para os destinatários da regulação." (ob. cit., pág. 296-297)”
Constata – se então, que mantida a coerência do Ministro a seus pronunciamentos anteriores, o que sempre se verificou nos votos que proferiu no STJ, a tendência é que reconheça que a valoração de fatos pretéritos para atribuição de efeitos jurídicos gravosos ao cidadão infringe sim o princípio da segurança jurídica, e vote pela inconstitucionalidade da LC 135/2010, ao menos neste tópico.
Por fim, apenas para ilustrar, consultando no sítio do STF o andamento processual do RE 631102 - http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoRecurso.asp?incidente=3964129 – verifiquei que não existe recurso interposto da decisão do STF que manteve a inexigibilidade do ex – deputado Jader Barbalho, tal fato deve – se a ainda não publicação do acórdão, termo inicial do prazo recursal. Cabível na hipótese embargos de declaração, o qual terá decerto efeitos infringentes do julgado, podendo ocorrer uma reviravolta no julgado, com a declaração de elegibilidade do ex – deputado.
Na hipótese de rejeição dos embargos por inexistência de omissão contradição ou obscuridade, possibilitada pelo art. 535 do CPC, c/c art. 338 do RISTF; ainda assiste ao ex – deputado a possibilidade de ação rescisória, fundamentada no art. 741, § único, do CPC, com possibilidade inclusive de concessão de liminar nos termos do art. 489 do Código de Processo Civil.
O voto do futuro Ministro, se sintonizado com os proferidos por Gilmar Mendes e Celso de Mello, acarretará substancial mudança na conjuntura política do congresso nacional, com a diplomação de vários parlamentares barrados pela lei da ficha limpa. É a judicialização da política, tendência irreversível no Estado Brasileiro.
É esperar pra ver.
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