sábado, 5 de fevereiro de 2011

LUIZ FUX E A “LEI DA FICHA LIMPA”.

Com a indicação do Ministro Luiz Fux, do STJ, para o STF, muito festejada pela comunidade jurídica, volta à tona o debate sobre a aplicabilidade da lei da ficha limpa nas eleições do ano passado.
                               O debate ganhou repercussão com o estado de perplexidade que se abateu no país após o empate ocorrido no STF nos julgamentos dos RE’s 630147 e 631102, interpostos por Joaquim Roriz e Jader Barbalho, respectivamente; quando cinco ministros (Gilmar Mendes, Cesar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio e Dias Tofolli) votaram contra a aplicabilidade da lei, e outros cinco (Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Carlos Brito, Ricardo Lewandovisk e Carmen Lúcia) votaram pela sua aplicabilidade.
                               Quem acompanhou o julgamento – de mais de sete horas – e teve contato com os votos proferidos, teve a convicção que o jurídico cedeu ao político, posto que irrepreensíveis e irrefutáveis, sob o aspecto jurídico, os votos proferidos pelos eminentes Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello.  
                               Em face da fórmula adotada para resolver o impasse – fazer prevalecer a decisão recorrida -, a sensação geral foi que o Supremo ainda não se manifestou sobre a celeuma jurídica, recaindo sobre o futuro Ministro a responsabilidade de proferir o voto de Minerva.
                               A Folha de São Paulo publicou nesta sexta-feira artigo afirmando que o futuro Ministro já proferiu duas decisões favoráveis a candidatos barrados pela lei da ficha limpa, esclarecendo, entretanto, que a decisão teve por fundamento matéria infraconstitucional.
                               Em pesquisa no site do STJ, encontramos os seguintes julgados:
MEDIDA CAUTELAR Nº 16.932, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES: tratava – se de medida cautelar para conceder efeito suspensivo à recurso especial. O fundamento do REsp. era a contrariedade da decisão do tribunal estadual, que condenou o recorrente de forma objetiva, sem perquirir a existência de dolo ou culpa na conduta, à jurisprudência pacífica do STJ eu exige o elemento subjetivo para condenação por improbidade administrativa. Em face da plausibilidade da tese, deferiu – se efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo – se ipso facto, a aplicação da lei da ficha limpa no caso concreto O Ministro LUIZ FUX restou vencido. Após tecer considerações de ordem processual para não conhecimento da cautelar, o ministro apresentou argumento de fundo consistente na natureza constitucional da questio juiris, declarando incompetente o STJ para conhecer da questão.
                               MEDIDA CAUTELAR Nº 17.110, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES: tratava – se de medida cautelar para conceder efeito suspensivo a recurso especial. O fundamento da MC era exclusivamente processual, impugnava – se a validade do julgamento por não ter sido designado revisor à apelação e ausência de intimação para a sessão de julgamento. Em face da plausibilidade da tese de nulidade do julgamento da apelação por vício formal, abstraindo – se qualquer análise do mérito da condenação por improbidade administrativa, deferiu – se efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo – se ipso facto, a aplicação da lei da ficha limpa no caso concreto. Reiterando o voto proferido na MEDIDA CAUTELAR Nº 16.932, o Ministro Luiz Fux, vencido, votou pelo não referendo da medida cautelar.
MEDIDA CAUTELAR Nº 17.243 – ES, Relator MINISTRO LUIZ FUX: tratava – se de medida cautelar para suspender os efeitos da condenação em segundo grau por improbidade administrativa de candidato ao senado. O Ministro indeferiu liminarmente a medida cautelar por razões eminentemente processuais: inexistência de REsp. admitido na origem e incompetência do STJ para apreciar medida cautelar de REsp. ainda pendente de juízo de admissibilidade (Súmulas 634 e 635 do STF).
Nos REsp’s 1149427/SC e 1023904/RJ interpostos por políticos condenados por improbidade administrativa, portanto inelegíveis de acordo com a lei da ficha limpa, o Ministro Luiz Fux cassou as decisões condenatórias com base na jurisprudência pacífica do STJ, que exige elemento subjetivo para a condenação por improbidade administrativa. Sem dúvida tais decisões tiveram repercussão no pleito eleitoral passado, pois autorizaram os políticos condenados em segunda instância a participarem da eleição. Entretanto, tais decisões não julgaram a validade da lei da ficha limpa, que sequer foi analisada no caso concreto, o que torna prematura e insubsistente qualquer tentativa de inferir a partir destes julgados o posicionamento do futuro Ministro do STF em relação à lei complementar n. 135/2010.
Entretanto, ao se analisar outros julgados, principalmente o AgRg no REsp 753469/SP, verifica – se que a opinião do futuro Ministro no que tange à substância jurídica do princípio da segurança jurídica, que veda a retroatividade das leis, é afim às expressadas pelos Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes nos RE’s 630147 e 631102, transcreve – se parte da ementa:
“19. Sob o enfoque  jurisprudencial  "o  Supremo  Tribunal Federal,  com  base  em  clássico  estudo  de COUTO  E SILVA,  decidiu  que o  princípio  da  segurança  jurídica  é  subprincípio  do  Estado  de Direito, da  seguinte  forma:  'Considera-se,  hodiernamente,  que o  tema  tem,  entre nós,  assento  constitucional  (princípio  do  Estado  de  Direito)  e  está disciplinado,  parcialmente,  no  plano  federal,  na  Lei  n.  9.784,  de  29  de janeiro  de  1999  (v.g.  art.  2o).  Em  verdade,  a  segurança  jurídica,  como subprincípio  do  Estado  de  Direito,  assume  valor  ímpar  no  sistema jurídico,  cabendo-lhe  o  papel  diferenciado  na  realização  da  própria idéia de justiça material.'"  (ob. cit. pág., 296).
20.  Na sua acepção principiológica "A segurança jurídica pode ser representada  a partir  de duas  perspectivas.  Em primeiro  lugar, os cidadãos  devem  saber  de antemão  quais  normas  são vigentes,  o que é possível  apenas  se  elas  estão  em  vigor  “antes”  que  os  fatos  por  elas regulamentados  sejam  concretizados  (irretroatividade),  e se os cidadãos dispuserem  da  possibilidade  de  conhecer  “mais  cedo”  o  conteúdo  das leis  (anterioridade).  A  idéia  diretiva  obtida  a partir  dessas  normas  pode ser  denominada  “dimensão  formal-temporal  da  segurança  jurídica”, que  pode  ser  descrita  sem  consideração  ao  conteúdo  da  lei.  Nesse sentido,  a  segurança  jurídica  diz  respeito  à  possibilidade  do  “cálculo prévio”  independentemente  do  conteúdo  da  lei.  Em  segundo  lugar,  a exigência  de  determinação  demanda  uma  “certa  medida”  de compreensibilidade,  clareza,  calculabilidade  e  controlabilidade conteudísticas  para  os  destinatários  da  regulação."  (ob.  cit.,  pág. 296-297)”
Constata – se então, que mantida a coerência do Ministro a seus pronunciamentos anteriores, o que sempre se verificou nos votos que proferiu no STJ, a tendência é que reconheça que a valoração de fatos pretéritos para atribuição de efeitos jurídicos gravosos ao cidadão infringe sim o princípio da segurança jurídica, e vote pela inconstitucionalidade da LC 135/2010, ao menos neste tópico.
Por fim, apenas para ilustrar, consultando no sítio do STF o andamento processual do RE 631102 - http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoRecurso.asp?incidente=3964129 – verifiquei que não existe recurso interposto da decisão do STF que manteve a inexigibilidade do ex – deputado Jader Barbalho, tal fato deve – se a ainda não publicação do acórdão, termo inicial do prazo recursal. Cabível na hipótese embargos de declaração, o qual terá decerto efeitos infringentes do julgado, podendo ocorrer uma reviravolta no julgado, com a declaração de elegibilidade do ex – deputado.
Na hipótese de rejeição dos embargos por inexistência de omissão contradição ou obscuridade, possibilitada pelo art. 535 do CPC, c/c art. 338 do RISTF; ainda assiste ao ex – deputado a possibilidade de ação rescisória, fundamentada no art. 741, § único, do CPC, com possibilidade inclusive de concessão de liminar nos termos do art. 489 do Código de Processo Civil.
O voto do futuro Ministro, se sintonizado com os proferidos por Gilmar Mendes e Celso de Mello, acarretará substancial mudança na conjuntura política do congresso nacional, com a diplomação de vários parlamentares barrados pela lei da ficha limpa. É a judicialização da política, tendência irreversível no Estado Brasileiro.
É esperar pra ver. 

HELDER BARBALHO, 3º MANDATO?

                               Por ocasião do aniversário de Belém, foram espalhados na capital paraense outdoors de felicitações com a foto do Prefeito de Ananindeua Helder Barbalho, o que levou à especulação de sua possível candidatura à Prefeitura de Belém nas eleições do ano que vem. Então surgiu a dúvida: Considerando que Helder Barbalho esta cumprindo o segundo mandato como prefeito de Ananindeua, seria possível sua candidatura para a Prefeitura de Belém?
                               Dispõe o art. 14, §§ 5º e 6º da Constituição Federal que: “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”; “Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito”.
                               Em precedente datado de 7.12.1984, o STF decidiu que “a irreelegibilidade prevista na letra “a”, ainda do par- 1 do art- 151, há de ser compreendida como descabendo a reeleição para o mesmo cargo que o candidato já vinha ocupando (...) não pode ser confundido o cargo de Prefeito de um novo Município, pois aí, embora se trate de cargo da mesma natureza (...) é um outro cargo”.
                               O TSE, sem discrepância, adotava este entendimento:
CONSULTA. PREFEITO REELEITO. CANDIDATURA AO MESMO CARGO EM MUNICÍPIO DIVERSO. POSSIBILIDADE, SALVO EM SE TRATANDO DE MUNICÍPIO DESMEMBRADO, INCORPORADO OU QUE RESULTE DE FUSÃO. HIPÓTESE QUE NÃO CONSUBSTANCIA UM TERCEIRO MANDATO. OBRIGATORIEDADE DE SE RESPEITAREM AS CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE ELEGIBILIDADE E INCOMPATIBILIDADE. CONSULTA RESPONDIDA AFIRMATIVAMENTE QUANTO AO PRIMEIRO ITEM, ACRESCIDA DAS CONSIDERAÇÕES QUANTO AO SEGUNDO.
- Não há impedimento para que o prefeito reeleito possa candidatar-se para o mesmo cargo em outro município, salvo em se tratando de município desmembrado, incorporado ou resultante de fusão, não cuidando tal hipótese de um terceiro mandato, vedado pelo art. 14, § 5º, da Constituição Federal.
- Caso em que deverá o candidato respeitar as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade, conforme o art. 3º do Código Eleitoral.
Consulta a que se responde afirmativamente ao primeiro item, acrescida das considerações expendidas quanto ao segundo. (CTA - CONSULTA nº 936 - Brasília/DF, Min. RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO FILHO).
                               O Min. Joaquim Barbosa, no AI n. 531089/AM, interposto contra inadmissão de RExt., adotou expressamente a, então, orientação do TSE: “O STF tem interpretado de maneira estrita o disposto no art.   14, §5º, da Constituição Federal, entendendo que, observadas as demais normas eleitorais aplicáveis, a restrição a uma única reeleição se refere apenas à hipótese em que se requer o registro de candidatura ao mesmo cargo”.
                               Entretanto, em 2008, em dois julgados de lavra de Ministros do Supremo Tribunal Federal, o TSE mudou seu posicionamento e passou inadmitir a possibilidade de um terceiro mandato imediato, ainda que em município diverso, repudiando a figura do “Prefeito Itinerante”:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. REGISTRO CANDIDATURA. PREFEITO. CANDIDATO À REELEIÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO PARA OUTRO MUNICÍPIO. FRAUDE CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 5º DO ART. 14 DA CB. IMPROVIMENTO.
1. Fraude consumada mediante o desvirtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito legal disposto no § 5º do artigo 14 da CB.
2. Evidente desvio da finalidade do direito à fixação do domicílio eleitoral.
3. Recurso a que se nega provimento. (REspe nº 32507, Min. EROS ROBERTO GRAU).
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. MUDANÇA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. "PREFEITO ITINERANTE". EXERCÍCIO CONSECUTIVO DE MAIS DE DOIS MANDATOS DE CHEFIA DO EXECUTIVO EM MUNICÍPIOS DIFERENTES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDA PERPETUAÇÃO NO PODER. OFENSA AOS §§ 5º E 6º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE.
Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares.
O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto.
Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.507. (REspe nº 32539 /AL, Min. CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO)
                               Portanto, em face da nova orientação do TSE, realmente muito mais consentânea ao princípio republicano, torna – se muito improvável o deferimento de uma eventual candidatura do Prefeito de Ananindeua Helder Barbalho para a Prefeitura de Belém.