terça-feira, 24 de agosto de 2010

Maçonaria e imunidade tributária

MAÇONARIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.

1 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

          A competência tributária é uma das formas de expressão da soberania e império estatal sobre os seus súditos. Corresponde ao poder atribuído ao Estado de, compulsoriamente, subtrair do patrimônio dos cidadãos uma “cota” necessária para a manutenção da sociedade politicamente organizada.
          Competência tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição.

2 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

          A competência tributária dos entes federados é determinada pela Constituição, que expressamente dispõe quais tributos cada ente federativo pode instituir e cobrar. Exemplificativamente, à União cabe o Imposto de Renda, o IOF, o ITR, etc.; aos Estados o IPVA, o ICMS e o ITCMD; aos Municípios o IPTU, o ISS e o ITBI. Ao Distrito Federal cabe os impostos estaduais e os municipais.
          Contra face da competência tributária é a imunidade tributária.
          Realmente, além de atribuir competências tributárias, a Constituição, em certas hipóteses, também expressamente, dispõe que em referencia a certas entidades ou em certas situações, não se poderá cobrar tributo.
A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou – a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo.

3 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO.

          As imunidades tributárias estão previstas basicamente no art. 150 da Constituição Federal, que contêm a seguinte redação:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

4 – IMUNIDADE TRIBUTÁRIAS DOS “Templos de qualquer culto”.

          Verifica – se, então, que a constituição imuniza do pagamento de tributos os “templos de qualquer culto”. Desta maneira, a imunidade dos templos religiosos demarca uma norma constitucional de não incidência de impostos sobre os templos de qualquer culto.
          Tal imunidade decorre do caráter teísta do Estado Brasileiro, nada obstante ser um Estado laico, ou seja, um Estado sem religião oficial.
          Apenas à guisa de curiosidade, registramos que o art. 5º da Constituição do império de 1824, apontava a religião “Catholica Apostolica Romana” como a “Religião do Império”. Tal dispositivo foi suprimido com a proclamação da República.
          Voltando ao tema, vê – se que a Constituição garante aos templos de qualquer culto imunidade de impostos.
          De acordo com o dicionário Michaellis, culto é a forma pela qual se presta homenagem à divindade. Vale dizer, nesse passo, que “cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam”.

5 – A IMUNIDADE RELIGIOSA E AS LOJAS MAÇONICAS.

          Em face da natureza semissecreta da maçonaria, que dificulta o iter a ser trilhado na identificação segura da existência do caráter religioso nas lojas maçônicas, constitui – se em questão de alta indagação o tema da imunidade religiosa para os templos maçônicos.
          A questão é ainda de escasso tratamento nos tribunais, encontrando – se apenas um precedente do Tribunal de Justiça do DF, aonde a maçonaria de mostra mais forte no Brasil, que considerou como “templos” as lojas maçônicas, para fins de imunidade tributária, afastando – se a incidência do IPTU.
          Por outro lado, os que são contra a imunidade, argumentam que as salas de reuniões da maçonaria não são templos, entendendo – se que a maçonaria não é uma religião.
          A análise da questão passa necessariamente pelo conceito de Religião.
          Sobre religião, adotamos o conceito de que “religião é o conjunto de crenças, dos sentimentos e dos atos que religam (de religare) o homem a Deus e que lhe dão a solução dos problemas relativos a seu destino.
          Firmado o conceito, vem a indagação: seria a maçonaria uma religião?
          Nicola Aslan no seu Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia, faz uma pequena resenha histórica da questão em todas as épocas e em todos os ritos, merecendo destaque as seguintes passagens:
“A respeito da religião da Maçonaria, as opiniões são muito divididas entre Maçons e elas dependem, em grande parte, das tendências religiosas e filosóficas que norteiam as Obediências e Ritos Maçônicos.
“Assim, a maçonaria anglo – saxônica, em grande parte protestante, é considerada profundamente religiosa e teísta, como o Rito de York, o mais difundido naqueles países. Julga – se a maçonaria francesa como racionalista, porque, através do Rito Moderno, permite a iniciação a pessoas sem crença definida, considerando que as opiniões religiosas são questões de foro íntimo, enquanto o Rito Escocês Antigo e Aceito, embora exija a crença em Deus do candidato, é denominado de deísta (a diferença entre deísta e teísta é que aquele embora admita a existência de Deus, rejeita a idéia de revelação divina, afirmando que apenas a razão nos assegura a existência de Deus, dispensando – se, portanto, o ensinamento ou a prática de qualquer religião organizada). (...)
          Importante assinalar que a Maçonaria Anglo – saxônica, dita regular, considera a maçonaria francesa irregular, exatamente por ter abolido no Rito Moderno o Livro da Lei.
          Sobre a questão, Paul Naudon, fornece – nos o ponto de vista dos franceses:
“É a Maçonaria uma religião? A pergunta parece supreendente. No entanto ela já foi feita. À primeira vista, ela chama uma resposta negativa. No sentido comum da palavra, a religião é com efeito um culto prestado à divindade. Ora, mesmo que se faça abstração da parte mais ou menos larga de ateísmo ou de indiferentismo que é ligado ou que se empresta à maçonaria e aos maçons (franceses, bem entendido), é aparente que ninguém vai à loja, mesmo em se invocando na abertura dos trabalhos o Grande Arquiteto do Universo, para lá adorar o eterno. Como, aliás, poderia ser assim em uma assembléia que tem a reputação de admitir em seu seio, sem exigir qualquer renúncia ou adesão ao mínimo dogma, os adeptos de todas as crenças, como também os que pretendem não ter nenhuma”.
          Defendendo o caráter religiosa da Maçonaria, temos Albert Mackey:
“Numerosos oradores e ensaístas Maçons gastaram em vão muito espírito e talento para provar que a Maçonaria não é uma religião... Alguns pretendem que os Maçons são levados a substituir os ensinamentos de sua ordem às verdades do Cristianismo.
“Para mim, que nunca acreditei um único instante que um espírito bem equilibrado possa admitir uma tão disparatada pretensão..., não estou disposto a fazer tantas concessões como o fazem irmãos mais tímidos no tocante ao caráter religioso da maçonaria. Ao contrario, sustento, sem a menor hesitação, que a maçonaria é, em todas as acepções uma palavra... uma instituição eminentemente religiosa, que ela deve unicamente ao elemento religioso que ela contem a sua origem e a perpetuidade de sua existência, e que, sem elemento religioso, não mereceria ser cultivada por um homem sábio e bom”.
          Contrariando as opiniões de Mackey, e pugnando pelo caráter da maçonaria como a religião das religiões, temos Albert Pike, disse ele:
“A Maçonaria não é uma religião. Aquele que dela faz uma crença religiosa a falseia e a desnatura... A Maçonaria, porem ensina e conserva em toda a sua pureza os princípios fundamentais da velha fé primitiva, que são as bases sobre as quais se apóia toda religião... A Maçonaria que não é de nenhuma época, pertence a todas as épocas; não sendo de nenhuma religião, encontra em todas as religiões as suas grandes verdade”.
          Curiosamente, foi um anti – maçom que lançou os principais argumentos referentes ao caráter religioso da Maçonaria. Trata – se de Arthur Press, que por motivos que fogem ao tema deste trabalho, pretendeu provar o caráter religioso da maçonaria.
          Coligindo trechos de rituais, Arthur Press tentou provar que a Maçonaria é uma religião, porque: 1º - tem um altar; 2º - um Templo; 3º - um Sumo Sacerdote (Refere – se ao 19º Grau do R.E.A.A, Grande Pontífice ou Sublime escocês, e também a um Grau do Rito do Real Arco); 4º - um culto; 5º - consagrações e unções; 6º Rituais; 7º - Festas; 8º - o Credo; 9º - a Moral; 10º - a Teoria da Alma Humana e as relações da Alma com a Divindade; o Deus especial da Maçonaria.
          Por esta pequena amostragem, já se verifica o quão tormentoso é o tema, que desbordando do campo eminentemente filosófico – religioso, ingressou no terreno jurídico, para se definir se a Maçonaria é ou não uma religião, se suas lojas são ou não templos, para fins de incidência ou não de IPTU, por exemplo.
          A polêmica atualmente encontra – se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
          O STF iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se templos maçônicos se incluem, ou não, no conceito de “templos de qualquer culto”. No Recurso Extraordinário n. 562351, o Grande Oriente do Rio Grande do Sul pretende afastar a cobrança do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) pelo município de Porto Alegre.
A entidade alega que não se pode instituir tributos sobre imóveis que abrigam templos de qualquer culto. Dessa forma, o Grande Oriente do Rio Grande do Sul questiona decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) que não reconheceu imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal. Conforme o acórdão atacado, a isenção não está caracterizada, pois não pode haver reconhecimento da imunidade tributária à maçonaria na medida em que esse tipo de associação não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no dispositivo constitucional.
Voto
O relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, negou provimento ao RE ao entender que a maçonaria é uma ideologia de vida e não uma religião, assim, a entidade não poderia ser isenta de pagar o IPTU. Segundo ele, a prática maçom não tem dogmas, não é um credo, é uma grande família. “Ajudam-se mutuamente aceitando e pregando a ideia de que o homem e a humanidade são passíveis de melhoria, aperfeiçoamento. Como se vê é uma grande confraria que antes de mais nada prega e professa uma filosofia de vida, apenas isso”, disse.
O ministro Ricardo Lewandowski avalia que para as imunidades deve ser dado tratamento restritivo. “Penso, portanto, que quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos templos de qualquer culto, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos”, afirmou. Conforme ele, a própria loja maçônica do estado do Rio Grande do Sul em seu site afirma que “não é religião com teologia, mas adota templo onde se desenvolve conjunto variável de cerimônias que se assemelham ao culto, dando feições a diferentes ritos”.
Os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ayres Britto acompanharam o relator. Em seguida, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos.
Verifica – se então, que encontra – se pendente na Corte Máxima do Judiciário Nacional julgamento de crucial importância para a Maçonaria Brasileira, estando nas mãos do Ministro Marco Aurélio, que não sei se é iniciado, a incumbência de convencer os Ministros do STF, contrariamente ao votou restritivo e reducionista do Ministro Lewandowski, que a Maçonaria possui cunho eminentemente religioso, fazendo jus sim à imunidade tributária prevista constitucionalmente.
          De nossa parte, longe de qualquer sectarismo religioso, temos que à Maçonaria se aplica o conceito básico de religião, como conjunto de símbolos, preceitos e ritos que levam ao auto conhecimento e à religação do homem com a divindade.
          De fato, a Maçonaria deve ser considerada, ao menos para fins tributários, uma verdadeira religião, à semelhança de tantas outras que harmonicamente coexistem em nosso Estado laico. Seu rito esta inserido em sistema sacramental e, como tal, apresenta – se pelo aspecto externo (a liturgia cerimonial, a doutrina e os símbolos) e pelo aspecto interno (a liturgia espiritual ou mental, acessível com exclusividade ao maçon que tenha evoluído na utilização da imaginação espiritual).
          Não se pode olvidar que o conceito de religião é aberto, inexistindo um sacramento legal ou constitucional. Vale dizer que o conceito de religião, longe de ser substancial, deverá ser funcional, abrindo – se para quaisquer agrupamentos litúrgicos em que os participantes se coobriguem moralmente a agir sob certos princípios inspirados pela noção de divindade. Nessa medida, o interprete deve buscar o sentido mais abrangente, sob pena de colocar em risco as crenças de grupos minoritários.