sábado, 5 de fevereiro de 2011

LUIZ FUX E A “LEI DA FICHA LIMPA”.

Com a indicação do Ministro Luiz Fux, do STJ, para o STF, muito festejada pela comunidade jurídica, volta à tona o debate sobre a aplicabilidade da lei da ficha limpa nas eleições do ano passado.
                               O debate ganhou repercussão com o estado de perplexidade que se abateu no país após o empate ocorrido no STF nos julgamentos dos RE’s 630147 e 631102, interpostos por Joaquim Roriz e Jader Barbalho, respectivamente; quando cinco ministros (Gilmar Mendes, Cesar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio e Dias Tofolli) votaram contra a aplicabilidade da lei, e outros cinco (Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Carlos Brito, Ricardo Lewandovisk e Carmen Lúcia) votaram pela sua aplicabilidade.
                               Quem acompanhou o julgamento – de mais de sete horas – e teve contato com os votos proferidos, teve a convicção que o jurídico cedeu ao político, posto que irrepreensíveis e irrefutáveis, sob o aspecto jurídico, os votos proferidos pelos eminentes Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello.  
                               Em face da fórmula adotada para resolver o impasse – fazer prevalecer a decisão recorrida -, a sensação geral foi que o Supremo ainda não se manifestou sobre a celeuma jurídica, recaindo sobre o futuro Ministro a responsabilidade de proferir o voto de Minerva.
                               A Folha de São Paulo publicou nesta sexta-feira artigo afirmando que o futuro Ministro já proferiu duas decisões favoráveis a candidatos barrados pela lei da ficha limpa, esclarecendo, entretanto, que a decisão teve por fundamento matéria infraconstitucional.
                               Em pesquisa no site do STJ, encontramos os seguintes julgados:
MEDIDA CAUTELAR Nº 16.932, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES: tratava – se de medida cautelar para conceder efeito suspensivo à recurso especial. O fundamento do REsp. era a contrariedade da decisão do tribunal estadual, que condenou o recorrente de forma objetiva, sem perquirir a existência de dolo ou culpa na conduta, à jurisprudência pacífica do STJ eu exige o elemento subjetivo para condenação por improbidade administrativa. Em face da plausibilidade da tese, deferiu – se efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo – se ipso facto, a aplicação da lei da ficha limpa no caso concreto O Ministro LUIZ FUX restou vencido. Após tecer considerações de ordem processual para não conhecimento da cautelar, o ministro apresentou argumento de fundo consistente na natureza constitucional da questio juiris, declarando incompetente o STJ para conhecer da questão.
                               MEDIDA CAUTELAR Nº 17.110, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES: tratava – se de medida cautelar para conceder efeito suspensivo a recurso especial. O fundamento da MC era exclusivamente processual, impugnava – se a validade do julgamento por não ter sido designado revisor à apelação e ausência de intimação para a sessão de julgamento. Em face da plausibilidade da tese de nulidade do julgamento da apelação por vício formal, abstraindo – se qualquer análise do mérito da condenação por improbidade administrativa, deferiu – se efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo – se ipso facto, a aplicação da lei da ficha limpa no caso concreto. Reiterando o voto proferido na MEDIDA CAUTELAR Nº 16.932, o Ministro Luiz Fux, vencido, votou pelo não referendo da medida cautelar.
MEDIDA CAUTELAR Nº 17.243 – ES, Relator MINISTRO LUIZ FUX: tratava – se de medida cautelar para suspender os efeitos da condenação em segundo grau por improbidade administrativa de candidato ao senado. O Ministro indeferiu liminarmente a medida cautelar por razões eminentemente processuais: inexistência de REsp. admitido na origem e incompetência do STJ para apreciar medida cautelar de REsp. ainda pendente de juízo de admissibilidade (Súmulas 634 e 635 do STF).
Nos REsp’s 1149427/SC e 1023904/RJ interpostos por políticos condenados por improbidade administrativa, portanto inelegíveis de acordo com a lei da ficha limpa, o Ministro Luiz Fux cassou as decisões condenatórias com base na jurisprudência pacífica do STJ, que exige elemento subjetivo para a condenação por improbidade administrativa. Sem dúvida tais decisões tiveram repercussão no pleito eleitoral passado, pois autorizaram os políticos condenados em segunda instância a participarem da eleição. Entretanto, tais decisões não julgaram a validade da lei da ficha limpa, que sequer foi analisada no caso concreto, o que torna prematura e insubsistente qualquer tentativa de inferir a partir destes julgados o posicionamento do futuro Ministro do STF em relação à lei complementar n. 135/2010.
Entretanto, ao se analisar outros julgados, principalmente o AgRg no REsp 753469/SP, verifica – se que a opinião do futuro Ministro no que tange à substância jurídica do princípio da segurança jurídica, que veda a retroatividade das leis, é afim às expressadas pelos Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes nos RE’s 630147 e 631102, transcreve – se parte da ementa:
“19. Sob o enfoque  jurisprudencial  "o  Supremo  Tribunal Federal,  com  base  em  clássico  estudo  de COUTO  E SILVA,  decidiu  que o  princípio  da  segurança  jurídica  é  subprincípio  do  Estado  de Direito, da  seguinte  forma:  'Considera-se,  hodiernamente,  que o  tema  tem,  entre nós,  assento  constitucional  (princípio  do  Estado  de  Direito)  e  está disciplinado,  parcialmente,  no  plano  federal,  na  Lei  n.  9.784,  de  29  de janeiro  de  1999  (v.g.  art.  2o).  Em  verdade,  a  segurança  jurídica,  como subprincípio  do  Estado  de  Direito,  assume  valor  ímpar  no  sistema jurídico,  cabendo-lhe  o  papel  diferenciado  na  realização  da  própria idéia de justiça material.'"  (ob. cit. pág., 296).
20.  Na sua acepção principiológica "A segurança jurídica pode ser representada  a partir  de duas  perspectivas.  Em primeiro  lugar, os cidadãos  devem  saber  de antemão  quais  normas  são vigentes,  o que é possível  apenas  se  elas  estão  em  vigor  “antes”  que  os  fatos  por  elas regulamentados  sejam  concretizados  (irretroatividade),  e se os cidadãos dispuserem  da  possibilidade  de  conhecer  “mais  cedo”  o  conteúdo  das leis  (anterioridade).  A  idéia  diretiva  obtida  a partir  dessas  normas  pode ser  denominada  “dimensão  formal-temporal  da  segurança  jurídica”, que  pode  ser  descrita  sem  consideração  ao  conteúdo  da  lei.  Nesse sentido,  a  segurança  jurídica  diz  respeito  à  possibilidade  do  “cálculo prévio”  independentemente  do  conteúdo  da  lei.  Em  segundo  lugar,  a exigência  de  determinação  demanda  uma  “certa  medida”  de compreensibilidade,  clareza,  calculabilidade  e  controlabilidade conteudísticas  para  os  destinatários  da  regulação."  (ob.  cit.,  pág. 296-297)”
Constata – se então, que mantida a coerência do Ministro a seus pronunciamentos anteriores, o que sempre se verificou nos votos que proferiu no STJ, a tendência é que reconheça que a valoração de fatos pretéritos para atribuição de efeitos jurídicos gravosos ao cidadão infringe sim o princípio da segurança jurídica, e vote pela inconstitucionalidade da LC 135/2010, ao menos neste tópico.
Por fim, apenas para ilustrar, consultando no sítio do STF o andamento processual do RE 631102 - http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoRecurso.asp?incidente=3964129 – verifiquei que não existe recurso interposto da decisão do STF que manteve a inexigibilidade do ex – deputado Jader Barbalho, tal fato deve – se a ainda não publicação do acórdão, termo inicial do prazo recursal. Cabível na hipótese embargos de declaração, o qual terá decerto efeitos infringentes do julgado, podendo ocorrer uma reviravolta no julgado, com a declaração de elegibilidade do ex – deputado.
Na hipótese de rejeição dos embargos por inexistência de omissão contradição ou obscuridade, possibilitada pelo art. 535 do CPC, c/c art. 338 do RISTF; ainda assiste ao ex – deputado a possibilidade de ação rescisória, fundamentada no art. 741, § único, do CPC, com possibilidade inclusive de concessão de liminar nos termos do art. 489 do Código de Processo Civil.
O voto do futuro Ministro, se sintonizado com os proferidos por Gilmar Mendes e Celso de Mello, acarretará substancial mudança na conjuntura política do congresso nacional, com a diplomação de vários parlamentares barrados pela lei da ficha limpa. É a judicialização da política, tendência irreversível no Estado Brasileiro.
É esperar pra ver. 

HELDER BARBALHO, 3º MANDATO?

                               Por ocasião do aniversário de Belém, foram espalhados na capital paraense outdoors de felicitações com a foto do Prefeito de Ananindeua Helder Barbalho, o que levou à especulação de sua possível candidatura à Prefeitura de Belém nas eleições do ano que vem. Então surgiu a dúvida: Considerando que Helder Barbalho esta cumprindo o segundo mandato como prefeito de Ananindeua, seria possível sua candidatura para a Prefeitura de Belém?
                               Dispõe o art. 14, §§ 5º e 6º da Constituição Federal que: “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”; “Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito”.
                               Em precedente datado de 7.12.1984, o STF decidiu que “a irreelegibilidade prevista na letra “a”, ainda do par- 1 do art- 151, há de ser compreendida como descabendo a reeleição para o mesmo cargo que o candidato já vinha ocupando (...) não pode ser confundido o cargo de Prefeito de um novo Município, pois aí, embora se trate de cargo da mesma natureza (...) é um outro cargo”.
                               O TSE, sem discrepância, adotava este entendimento:
CONSULTA. PREFEITO REELEITO. CANDIDATURA AO MESMO CARGO EM MUNICÍPIO DIVERSO. POSSIBILIDADE, SALVO EM SE TRATANDO DE MUNICÍPIO DESMEMBRADO, INCORPORADO OU QUE RESULTE DE FUSÃO. HIPÓTESE QUE NÃO CONSUBSTANCIA UM TERCEIRO MANDATO. OBRIGATORIEDADE DE SE RESPEITAREM AS CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE ELEGIBILIDADE E INCOMPATIBILIDADE. CONSULTA RESPONDIDA AFIRMATIVAMENTE QUANTO AO PRIMEIRO ITEM, ACRESCIDA DAS CONSIDERAÇÕES QUANTO AO SEGUNDO.
- Não há impedimento para que o prefeito reeleito possa candidatar-se para o mesmo cargo em outro município, salvo em se tratando de município desmembrado, incorporado ou resultante de fusão, não cuidando tal hipótese de um terceiro mandato, vedado pelo art. 14, § 5º, da Constituição Federal.
- Caso em que deverá o candidato respeitar as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade, conforme o art. 3º do Código Eleitoral.
Consulta a que se responde afirmativamente ao primeiro item, acrescida das considerações expendidas quanto ao segundo. (CTA - CONSULTA nº 936 - Brasília/DF, Min. RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO FILHO).
                               O Min. Joaquim Barbosa, no AI n. 531089/AM, interposto contra inadmissão de RExt., adotou expressamente a, então, orientação do TSE: “O STF tem interpretado de maneira estrita o disposto no art.   14, §5º, da Constituição Federal, entendendo que, observadas as demais normas eleitorais aplicáveis, a restrição a uma única reeleição se refere apenas à hipótese em que se requer o registro de candidatura ao mesmo cargo”.
                               Entretanto, em 2008, em dois julgados de lavra de Ministros do Supremo Tribunal Federal, o TSE mudou seu posicionamento e passou inadmitir a possibilidade de um terceiro mandato imediato, ainda que em município diverso, repudiando a figura do “Prefeito Itinerante”:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. REGISTRO CANDIDATURA. PREFEITO. CANDIDATO À REELEIÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO PARA OUTRO MUNICÍPIO. FRAUDE CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 5º DO ART. 14 DA CB. IMPROVIMENTO.
1. Fraude consumada mediante o desvirtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito legal disposto no § 5º do artigo 14 da CB.
2. Evidente desvio da finalidade do direito à fixação do domicílio eleitoral.
3. Recurso a que se nega provimento. (REspe nº 32507, Min. EROS ROBERTO GRAU).
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. MUDANÇA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. "PREFEITO ITINERANTE". EXERCÍCIO CONSECUTIVO DE MAIS DE DOIS MANDATOS DE CHEFIA DO EXECUTIVO EM MUNICÍPIOS DIFERENTES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDA PERPETUAÇÃO NO PODER. OFENSA AOS §§ 5º E 6º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE.
Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares.
O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto.
Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.507. (REspe nº 32539 /AL, Min. CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO)
                               Portanto, em face da nova orientação do TSE, realmente muito mais consentânea ao princípio republicano, torna – se muito improvável o deferimento de uma eventual candidatura do Prefeito de Ananindeua Helder Barbalho para a Prefeitura de Belém.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Maçonaria e imunidade tributária

MAÇONARIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.

1 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

          A competência tributária é uma das formas de expressão da soberania e império estatal sobre os seus súditos. Corresponde ao poder atribuído ao Estado de, compulsoriamente, subtrair do patrimônio dos cidadãos uma “cota” necessária para a manutenção da sociedade politicamente organizada.
          Competência tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição.

2 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.

          A competência tributária dos entes federados é determinada pela Constituição, que expressamente dispõe quais tributos cada ente federativo pode instituir e cobrar. Exemplificativamente, à União cabe o Imposto de Renda, o IOF, o ITR, etc.; aos Estados o IPVA, o ICMS e o ITCMD; aos Municípios o IPTU, o ISS e o ITBI. Ao Distrito Federal cabe os impostos estaduais e os municipais.
          Contra face da competência tributária é a imunidade tributária.
          Realmente, além de atribuir competências tributárias, a Constituição, em certas hipóteses, também expressamente, dispõe que em referencia a certas entidades ou em certas situações, não se poderá cobrar tributo.
A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou – a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo.

3 – IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO.

          As imunidades tributárias estão previstas basicamente no art. 150 da Constituição Federal, que contêm a seguinte redação:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

4 – IMUNIDADE TRIBUTÁRIAS DOS “Templos de qualquer culto”.

          Verifica – se, então, que a constituição imuniza do pagamento de tributos os “templos de qualquer culto”. Desta maneira, a imunidade dos templos religiosos demarca uma norma constitucional de não incidência de impostos sobre os templos de qualquer culto.
          Tal imunidade decorre do caráter teísta do Estado Brasileiro, nada obstante ser um Estado laico, ou seja, um Estado sem religião oficial.
          Apenas à guisa de curiosidade, registramos que o art. 5º da Constituição do império de 1824, apontava a religião “Catholica Apostolica Romana” como a “Religião do Império”. Tal dispositivo foi suprimido com a proclamação da República.
          Voltando ao tema, vê – se que a Constituição garante aos templos de qualquer culto imunidade de impostos.
          De acordo com o dicionário Michaellis, culto é a forma pela qual se presta homenagem à divindade. Vale dizer, nesse passo, que “cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam”.

5 – A IMUNIDADE RELIGIOSA E AS LOJAS MAÇONICAS.

          Em face da natureza semissecreta da maçonaria, que dificulta o iter a ser trilhado na identificação segura da existência do caráter religioso nas lojas maçônicas, constitui – se em questão de alta indagação o tema da imunidade religiosa para os templos maçônicos.
          A questão é ainda de escasso tratamento nos tribunais, encontrando – se apenas um precedente do Tribunal de Justiça do DF, aonde a maçonaria de mostra mais forte no Brasil, que considerou como “templos” as lojas maçônicas, para fins de imunidade tributária, afastando – se a incidência do IPTU.
          Por outro lado, os que são contra a imunidade, argumentam que as salas de reuniões da maçonaria não são templos, entendendo – se que a maçonaria não é uma religião.
          A análise da questão passa necessariamente pelo conceito de Religião.
          Sobre religião, adotamos o conceito de que “religião é o conjunto de crenças, dos sentimentos e dos atos que religam (de religare) o homem a Deus e que lhe dão a solução dos problemas relativos a seu destino.
          Firmado o conceito, vem a indagação: seria a maçonaria uma religião?
          Nicola Aslan no seu Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia, faz uma pequena resenha histórica da questão em todas as épocas e em todos os ritos, merecendo destaque as seguintes passagens:
“A respeito da religião da Maçonaria, as opiniões são muito divididas entre Maçons e elas dependem, em grande parte, das tendências religiosas e filosóficas que norteiam as Obediências e Ritos Maçônicos.
“Assim, a maçonaria anglo – saxônica, em grande parte protestante, é considerada profundamente religiosa e teísta, como o Rito de York, o mais difundido naqueles países. Julga – se a maçonaria francesa como racionalista, porque, através do Rito Moderno, permite a iniciação a pessoas sem crença definida, considerando que as opiniões religiosas são questões de foro íntimo, enquanto o Rito Escocês Antigo e Aceito, embora exija a crença em Deus do candidato, é denominado de deísta (a diferença entre deísta e teísta é que aquele embora admita a existência de Deus, rejeita a idéia de revelação divina, afirmando que apenas a razão nos assegura a existência de Deus, dispensando – se, portanto, o ensinamento ou a prática de qualquer religião organizada). (...)
          Importante assinalar que a Maçonaria Anglo – saxônica, dita regular, considera a maçonaria francesa irregular, exatamente por ter abolido no Rito Moderno o Livro da Lei.
          Sobre a questão, Paul Naudon, fornece – nos o ponto de vista dos franceses:
“É a Maçonaria uma religião? A pergunta parece supreendente. No entanto ela já foi feita. À primeira vista, ela chama uma resposta negativa. No sentido comum da palavra, a religião é com efeito um culto prestado à divindade. Ora, mesmo que se faça abstração da parte mais ou menos larga de ateísmo ou de indiferentismo que é ligado ou que se empresta à maçonaria e aos maçons (franceses, bem entendido), é aparente que ninguém vai à loja, mesmo em se invocando na abertura dos trabalhos o Grande Arquiteto do Universo, para lá adorar o eterno. Como, aliás, poderia ser assim em uma assembléia que tem a reputação de admitir em seu seio, sem exigir qualquer renúncia ou adesão ao mínimo dogma, os adeptos de todas as crenças, como também os que pretendem não ter nenhuma”.
          Defendendo o caráter religiosa da Maçonaria, temos Albert Mackey:
“Numerosos oradores e ensaístas Maçons gastaram em vão muito espírito e talento para provar que a Maçonaria não é uma religião... Alguns pretendem que os Maçons são levados a substituir os ensinamentos de sua ordem às verdades do Cristianismo.
“Para mim, que nunca acreditei um único instante que um espírito bem equilibrado possa admitir uma tão disparatada pretensão..., não estou disposto a fazer tantas concessões como o fazem irmãos mais tímidos no tocante ao caráter religioso da maçonaria. Ao contrario, sustento, sem a menor hesitação, que a maçonaria é, em todas as acepções uma palavra... uma instituição eminentemente religiosa, que ela deve unicamente ao elemento religioso que ela contem a sua origem e a perpetuidade de sua existência, e que, sem elemento religioso, não mereceria ser cultivada por um homem sábio e bom”.
          Contrariando as opiniões de Mackey, e pugnando pelo caráter da maçonaria como a religião das religiões, temos Albert Pike, disse ele:
“A Maçonaria não é uma religião. Aquele que dela faz uma crença religiosa a falseia e a desnatura... A Maçonaria, porem ensina e conserva em toda a sua pureza os princípios fundamentais da velha fé primitiva, que são as bases sobre as quais se apóia toda religião... A Maçonaria que não é de nenhuma época, pertence a todas as épocas; não sendo de nenhuma religião, encontra em todas as religiões as suas grandes verdade”.
          Curiosamente, foi um anti – maçom que lançou os principais argumentos referentes ao caráter religioso da Maçonaria. Trata – se de Arthur Press, que por motivos que fogem ao tema deste trabalho, pretendeu provar o caráter religioso da maçonaria.
          Coligindo trechos de rituais, Arthur Press tentou provar que a Maçonaria é uma religião, porque: 1º - tem um altar; 2º - um Templo; 3º - um Sumo Sacerdote (Refere – se ao 19º Grau do R.E.A.A, Grande Pontífice ou Sublime escocês, e também a um Grau do Rito do Real Arco); 4º - um culto; 5º - consagrações e unções; 6º Rituais; 7º - Festas; 8º - o Credo; 9º - a Moral; 10º - a Teoria da Alma Humana e as relações da Alma com a Divindade; o Deus especial da Maçonaria.
          Por esta pequena amostragem, já se verifica o quão tormentoso é o tema, que desbordando do campo eminentemente filosófico – religioso, ingressou no terreno jurídico, para se definir se a Maçonaria é ou não uma religião, se suas lojas são ou não templos, para fins de incidência ou não de IPTU, por exemplo.
          A polêmica atualmente encontra – se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
          O STF iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se templos maçônicos se incluem, ou não, no conceito de “templos de qualquer culto”. No Recurso Extraordinário n. 562351, o Grande Oriente do Rio Grande do Sul pretende afastar a cobrança do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) pelo município de Porto Alegre.
A entidade alega que não se pode instituir tributos sobre imóveis que abrigam templos de qualquer culto. Dessa forma, o Grande Oriente do Rio Grande do Sul questiona decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) que não reconheceu imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal. Conforme o acórdão atacado, a isenção não está caracterizada, pois não pode haver reconhecimento da imunidade tributária à maçonaria na medida em que esse tipo de associação não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no dispositivo constitucional.
Voto
O relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, negou provimento ao RE ao entender que a maçonaria é uma ideologia de vida e não uma religião, assim, a entidade não poderia ser isenta de pagar o IPTU. Segundo ele, a prática maçom não tem dogmas, não é um credo, é uma grande família. “Ajudam-se mutuamente aceitando e pregando a ideia de que o homem e a humanidade são passíveis de melhoria, aperfeiçoamento. Como se vê é uma grande confraria que antes de mais nada prega e professa uma filosofia de vida, apenas isso”, disse.
O ministro Ricardo Lewandowski avalia que para as imunidades deve ser dado tratamento restritivo. “Penso, portanto, que quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos templos de qualquer culto, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos”, afirmou. Conforme ele, a própria loja maçônica do estado do Rio Grande do Sul em seu site afirma que “não é religião com teologia, mas adota templo onde se desenvolve conjunto variável de cerimônias que se assemelham ao culto, dando feições a diferentes ritos”.
Os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ayres Britto acompanharam o relator. Em seguida, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos.
Verifica – se então, que encontra – se pendente na Corte Máxima do Judiciário Nacional julgamento de crucial importância para a Maçonaria Brasileira, estando nas mãos do Ministro Marco Aurélio, que não sei se é iniciado, a incumbência de convencer os Ministros do STF, contrariamente ao votou restritivo e reducionista do Ministro Lewandowski, que a Maçonaria possui cunho eminentemente religioso, fazendo jus sim à imunidade tributária prevista constitucionalmente.
          De nossa parte, longe de qualquer sectarismo religioso, temos que à Maçonaria se aplica o conceito básico de religião, como conjunto de símbolos, preceitos e ritos que levam ao auto conhecimento e à religação do homem com a divindade.
          De fato, a Maçonaria deve ser considerada, ao menos para fins tributários, uma verdadeira religião, à semelhança de tantas outras que harmonicamente coexistem em nosso Estado laico. Seu rito esta inserido em sistema sacramental e, como tal, apresenta – se pelo aspecto externo (a liturgia cerimonial, a doutrina e os símbolos) e pelo aspecto interno (a liturgia espiritual ou mental, acessível com exclusividade ao maçon que tenha evoluído na utilização da imaginação espiritual).
          Não se pode olvidar que o conceito de religião é aberto, inexistindo um sacramento legal ou constitucional. Vale dizer que o conceito de religião, longe de ser substancial, deverá ser funcional, abrindo – se para quaisquer agrupamentos litúrgicos em que os participantes se coobriguem moralmente a agir sob certos princípios inspirados pela noção de divindade. Nessa medida, o interprete deve buscar o sentido mais abrangente, sob pena de colocar em risco as crenças de grupos minoritários.